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Por que a Bahia comemora a independĂȘncia em 2 de julho?

 

Em 2 de julho, baianos comemoram a expulsĂŁo das tropas portuguesas e a independĂȘncia do Estado — Foto: Arla Coqueiro/Arquivo Pessoal

Um turista desavisado que desembarque em Salvador no dia 2 de julho pode pensar que fez uma viagem no tempo e chegou Ă  cidade em pleno Carnaval, alguns meses antes de ter partido. Mas nĂŁo, ele desembarcou na data certa. A festa Ă© outra.

Embora praticamente desconhecida em outras regiĂ”es do paĂ­s, Ă© uma das maiores da Bahia. Nela, os baianos comemoram a expulsĂŁo das tropas portuguesas e a independĂȘncia do Estado, ocorrida no mesmo dia de 1823, depois de um ano e cinco meses de uma guerra sangrenta, que envolveu de 10 a 15 mil soldados de cada lado e causou mais de duas mil mortes em combate.

A festa remete Ă  chegada a Salvador, em 2 de julho de 1823, do exĂ©rcito — se Ă© que a palavra se aplica a uma tropa maltrapilha — libertador brasileiro, que havia expulsado os portugueses. Os primeiros soldados começaram a chegar pela manhĂŁ. NĂŁo pareciam fazer parte de um exĂ©rcito vitorioso. Estavam descalços, quase nus, fracos e cansados.

Situação bem diferente da cena do quadro Entrada do ExĂ©rcito Libertador, do artista Presciliano Silva, pintado em 1930 e hoje exposto no Memorial da CĂąmara Municipal de Salvador. Ele mostra o comandante brasileiro, o entĂŁo coronel Joaquim de Lima e Silva, tio de Luiz Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, montado num belĂ­ssimo cavalo alazĂŁo, seguido por um exĂ©rcito de homens muito contentes, alegres e saudĂĄveis.

De acordo com o escritor, historiador e autor de vĂĄrios livros sobre a histĂłria da Bahia, Luiz Henrique Dias Tavares (1926-2020), em entrevista publicada pela revista Pesquisa Fapesp, em janeiro de 2006, a obra “nĂŁo representa a verdade”. Segundo Laurentino Gomes, em seu livro 1822, os moradores, que jĂĄ sabiam que os portugueses haviam partido de madrugada, receberam os soldados com festa naquele dia. “E com festa ainda sĂŁo lembrados todos os anos no dia 2 de julho.”

Festa popular

Diferentemente das comemoraçÔes de 7 de setembro, que tĂȘm carĂĄter mais militar em todo o Brasil — e na prĂłpria Bahia — os festejos de 2 julho tĂȘm maior participação popular, com desfiles pelas ruas e festas nas casas de Salvador, que duram o dia todo.

A data marca o fim de uma guerra que começou em 1822.

“A Guerra de IndependĂȘncia na Bahia começou dois meses e meio antes do Grito do Ipiranga, quando a cĂąmara da cidade de Cachoeira aclamou D. Pedro como prĂ­ncipe regente, desligando-se das Cortes de Lisboa”, conta o historiador e escritor Paulo Rezzutti, autor do livro IndependĂȘncia, a histĂłria nĂŁo contada: a construção do Brasil de 1500 a 1825.

Os portugueses não gostaram dessa decisão e, com o auxílio de um navio, atacaram pessoas que estavam saindo de uma missa em celebração, mas a população e os soldados reagiram, até que a embarcação se rendesse.

Mas antes disso, houve vårios eventos que levaram a esse combate. De acordo com o historiador Francisco Eduardo Torres Cancela, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), a guerra no Estado aconteceu num contexto geral de grandes transformaçÔes, a chamada era das revoluçÔes.

“Em agosto de 1820, eclodiu na cidade do Porto uma revolução liberal que, entre outras coisas, defendia o retorno do rei d. JoĂŁo 6Âș para Portugal e a elaboração de uma constituição para o paĂ­s”, explica.

Segundo Cancela, a recepção dos ideais constitucionalistas na Bahia alimentou uma expectativa de mudança, ainda que sem uma perspectiva de ruptura imediata com o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, levando a uma råpida adesão da província às Cortes Gerais, Extraordinårias e Constituintes da Nação Portuguesa, que era uma espécie de parlamento na época.

“No entanto, as medidas delas referentes ao Brasil começaram a restringir a autonomia anteriormente conquistada, gerando tensĂ”es entre diferentes grupos e alterando o jogo de equilĂ­brio de poder”, explica Cancela.

“Foi nessa conjuntura que as divergĂȘncias sobre a autoridade polĂ­tica acabaram se transformando em conflito armado na Bahia.”

Do ponto de vista factual, os antecedentes da guerra começaram em 10 de fevereiro de 1821, quando houve um levante contra o governador local, que levou à criação de uma junta de governo provisória.

“Por meio de decretos, com o intuito de desarticular qualquer iniciativa de implantação de um poder executivo no Brasil, em setembro de 1821, o governo portuguĂȘs alterou o comando militar do Brasil subordinando-o a Lisboa”, conta o historiador Walter Silva, diretor do Centro de MemĂłria da Bahia (CMB), unidade gerida pela Fundação Pedro Calmon (FPC) da Secretaria de Cultura da Bahia. “AlĂ©m disso, determinaram o retorno do prĂ­ncipe d. Pedro para Portugal.”

Segundo Rezzutti, a junta provisĂłria, que obedecia diretamente a Lisboa, e nĂŁo ao prĂ­ncipe regente no Rio de Janeiro, passou a ter brasileiros em altos postos, entre os quais o militar Manuel Pedro de Freitas GuimarĂŁes, que assumiu o comando de armas da provĂ­ncia.

As Cortes Constitucionais de Lisboa não gostaram da situação. Por isso, determinaram eleiçÔes para uma nova junta de governo em janeiro de 1822, que tomou posse em 2 de fevereiro e parecia mais propensa a aceitar a liderança de d. Pedro, em vez da de Lisboa.

Essa junta confirmou GuimarĂŁes como comandante de armas, no entanto, o que gerou conflito com os militares portugueses, especialmente a partir de 11 de fevereiro, quando chegou de Portugal a nomeação, por meio de um decreto de 9 de dezembro de 1821, do militar portuguĂȘs InĂĄcio LuĂ­s Madeira de Melo para o posto.

E foi aí que a guerra começou de fato. Veterano das guerras de Portugal contra Napoleão Bonaparte, semianalfabeto e autoritårio, o general Madeira de Melo tentou subjugar a Bahia pelas armas. Como não poderia deixar de acontecer naquele contexto, houve reação. No dia 19 de fevereiro daquele ano, logo de manhã, militares brasileiros se rebelaram contra a decisão das Cortes, no forte de São Pedro, onde ainda hoje funciona uma unidade militar, e nos quartéis da Palma e da Mouraria.

Madeira de Melo exigiu a rendição dos rebelados, mas eles nĂŁo o atenderam. EntĂŁo ele mandou bombardear o forte e os quartĂ©is. Sem condiçÔes de resistir, no dia seguinte os brasileiros abandonaram as instalaçÔes e foram para a cidade. De acordo com o historiador Johny Santana de AraĂșjo, a partir desse dia, tropas portuguesa e forças baianas passaram a lutar abertamente nas ruas de Salvador.

“Foi ficando cada vez mais evidente que havia dois partidos com interesses antagĂŽnicos, um portuguĂȘs e um brasileiro, o que acabou criando uma tensĂŁo cada vez maior e levando a provĂ­ncia a uma guerra civil”, diz.

Fonte: BBC

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